O pulso que cai e as tecnologias do toque
O Pulso que cai e as tecnologias do toque, Ikrek, Sao Paulo, 2016. 120 p., 15,5 x 23 cm, Português, 500 exemplares |
“O pulso que cai e as tecnologias do toque” reúne as aulas-show proferidas no Mastur Bar e ainda outros textos que o tangenciam. Espécie de núcleo textual do projeto, as ideias do bar estruturam-se no livro em uma escrita que pende entre ensaio de viés histórico e narrativa ficcional. Cada exemplar tem a capa interferida por Fabiana Faleiros, ora manuscrevendo – com seu pulso que cai – Mastur Bar, ora “O pulso que cai”, com marcador cor de rosa. Sobre as páginas, algumas aulas-show tomam forma de poemas nos quais Faleiros fala sobre vários temas em torno da masturbação feminina, como a relação que faz entre a liberdade de um pulso caído – relaxado, solto no ar, sem o emprego tenso de uma função manufatureira – e a dedilhação quase libidinal do touch screen. Vários trechos do livro revelam os eixos discursivos do projeto Mastur Bar, como em "Hoje se fala em tocar uma música. Ou foi sempre? Por isso é que estou tão sensível quanto uma tela. (...) E tocava na tela sensível do celular dando play na trilha sonora da aula-show sobre os gestos que fixam o gênero no sexo. A mão que não toca o próprio corpo é substituída pela mão do médico, gente, que por sua vez é substituída pela loucura e pelo trabalho, pelo smartphone. " Nesse trecho, aparece: a recorrência do termo “tocar”, corruptela de “se masturbar”; a afirmação da tela touch screen ser tão sensível ao toque quanto a pele – o que, de quebra, leva a pensar na transformação das relações pessoais na era do smartphone como prótese extensiva do corpo, mas também como armadilha que captura a vida para o trabalho 24/7 –; a medicalização do corpo disciplinado pelo trabalho; o histórico uso opressor da histeria – “loucura”, no texto – como controle medicinal do corpo feminino. No pouco formal vocativo “gente”, percebe-se ainda a presença da plateia que frequenta o Mastur Bar, mais que do leitor do texto.
Reiterando uma tradição na qual as artes performativas são responsáveis por boa parte da produção
escrita e também de publicações nas artes visuais, a relação intrínseca entre o Mastur Bar e seu braço editorial “O pulso que cai e as tecnologias do toque” espraia a atividade escrita entre o domínio do
livro, o regime da página, e uma oralização performativa que ao mesmo tempo instaura e é instauradora
do ambiente instalativo imersivo do bar, complexificando – ou, ao contrário, mostrando como pode ser simples – o fato de que a escrita, comumente confinada ao regime normativo do livro, pode estar longe de ser uma linguagem estanque sobre a página, podendo ser instalada, acionada, oralizada,
vivida enquanto discursividade espacializada em ambiente.
Texto: Fábio Morais
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